sexta-feira, 30 de maio de 2008
CIDADE FANTASMA
em seus carros último modelo.
Dói-lhes um sorriso sequer
e sobram palavras de respeito mútuo:
- Bom-dia.
- Bom-dia.
Sem pontos de exclamação.
Bons-dias secamente ditos de costas
de quem não dá a mínima para o outro.
E interrogações muitas.
A incógnita faz parte do dia
e povoa o sono daquele que acorda na noite suado
e assustado.
Porém,
de alguma sacada vê-se ainda
Claras almas raras passeando na multidão,
descobertas somente por olhos atentos,
escondidas em vestes sóbrias demais.
Tudo para que a inveja das outras almas
não acabe por simplificá-las
ao prematuro cinza das auras nubladas.
E eu continuo, procurando a faixa de pedestres
sob os carros último modelo.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
LUAU
loiros de praia, ratos da areia.
Pegam onda e câncer de pele
vendendo colares de pedra-feijão.
Capitalistas,
adoram o Sol sem se proteger dos raios UVA e UVB
e também Jaci em rituais noturnos:
cauim,
bala
e imagens fotográficas de alta definição.
Tambores eletrônicos alucinógenos
(tumba lacatumba tumba-tá),
luzes psicodélicas anunciam a taba ao satélite nu
(tumba lacatumba tumba-tá).
Mil-olhos param
estarrecidos,
atentos à modelo tupinambá
FRENÉTICA
ao vestido colante, salto e óculos gigantes.
- Servido?
- Why not?
Gargalhadas bruxólicas rasgam o céu
em complemento ao som da tribo jovem.
Zum gali gali
gali zum
gali gali.
VOU TE CONTAR
fase estranha da vida
abraço-me em manequins de loja
e digo-lhes:
- Que bonito seu colar!
o papo é bom
e sua anacefalia é compensada
pela inutilidade das pessoas que só falam em tv...
zap!
quinta-feira, 22 de maio de 2008
SILÊNCIO
Da janela, a lua ilumina meu rosto,
passa pouco das quatro horas.
Procuro ouvir-te... nada.
Ecoa apenas o som dos carros rasgando a madrugada.
Levanto-me
e triste constato sua ausência.
Foste... roubou-me um beijo talvez?
Não me resta lembrança de tão doce despedida.
Deito-me e adormeço na incompletude da escuridão da noite.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
INOXIDÁVEL
- O Antônio não gosta de mulher!
Essa é a frase que mais se ouvia pelos corredores do supermercado onde trabalhava seguida de risos contidos que o desconcertavam ao passar. E como as pessoas nunca estão felizes em cuidar de suas próprias mazelas, adoravam cuidar da vida de Antônio. Em catorze anos de dedicação, seus colegas de trabalho nunca o viram com uma mulher. Nem como namorada, nem como amiga. Aliás, Antônio não tinha amigos e ninguém sequer sabia onde habitava este estranho quarentão. Chegou até a sair com algumas garotas, mas estas não o completaram.
De qualquer forma, Antônio não era gay. Esses burburinhos maldosos sobre sua sexualidade o remetiam aos tempos de ginásio, quando os rapazes do futebol insinuavam, vez que outra, que iriam “pegá-lo” de jeito depois da aula. O que nunca realmente aconteceu e sempre o amedrontou. Esgueirava-se tentando se esconder com os cadernos ao cruzá-los pelo corredor do colégio. E que secretamente também atiçou-lhe a curiosidade. Saiu então com alguns rapazes, mas estes também não o completaram.
Somente uma coisa o excitava. Em seus dias de folga, Antônio maquiava-se lascivamente, colocava um vestido colante, peruca e chapéu. Assim, saía em busca de uma construção qualquer. Enrijecia-lhe ouvir os assobios e cantadas rústicas dos pedreiros sujos de trabalho. Tornava-o inoxidável.
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Cenas do próximo capítulo: MAL QUE SE QUIS, SAMARA ME QUIS.