quarta-feira, 17 de setembro de 2008

EXTRAORDINÁRIOS

(Leia ao som de A Lista e Sweet Dreams)


"Eu tenho uma teoria. Os indivíduos se dividem em duas categorias: os ordinários e os extraordinários. Os ordinários são pessoas corretas que vivem na obediência e gostam de viver na obediência; já os extraordinários são os que criam alguma coisa nova, todos os que infringem a velha lei, os destruidores. Os primeiros conservam o mundo como ele é; os outros movem o mundo para um objetivo, mesmo que para isso tenham que cometer um crime."

(Sintese de Crime e Castido de Dostoievski por Nina, o filme)

Alguém aí já leu Meu Pé de Laranja-Lima? Claro que já, sempre tem um que leu... Não me lembro direito do final, só que depois da morte do Portuga, o Zezinho nunca mais volta a ouvir sua amiga de todas as horas, a plantinha ficou muda... Tudo porque a experiência de perder um amigo se torna tão insustentável e difícil pra superar que ele deixa de ser criança, num amadurecimento repentino e precoce!

Quando eu tinha uns 12 anos aconteceu a mesma coisa comigo... Calma, não que eu mantivesse contato com algum pé de limão ou coisa do tipo... tá certo que eu falava com a televisão, mas isso faço até hoje, minha mãe sempre acha graça disso e fica me zoando por ficar revoltado com o que acontece de ruim por aí. Na verdade, quem quase morreu nessa história fui eu! Tinha acabado de acordar e estava conversando com a empregada, que também acumulava o cargo de amiga nas horas vagas, nem tinha tomado café ainda, foi tudo tão rápido... Distraído, me apoiei na janela da sala, justo naquele vidro que estava trincado perto do espelho e de repente só vi o sangue jorrando do meu pulso. Anestesiei na hora. Fiquei bastante assustado. Me levaram rápido pro hospital e por pouco não fui pro beleléu! Foi nesse meio tempo, entre duas cirurgias e a recuperação dos movimentos da mão, mais ou menos uns seis meses, que aprendi que as coisas não acontecem só na casa do vizinho, tudo na vida tem suas conseqüências. Também resolvi aproveitar o máximo da vida e viver o quanto conseguisse, se possível passar dos cem...

Fui criado pra encarar a vida de frente, com responsabilidade e respeito por mim e pelos que me rodeiam. Talvez por isso e também por outros motivos que me sufocavam até bem pouco tempo atrás, sempre fui muito reservado, tentando esconder meus sentimentos, fechado, tímido, uma rocha. Como amigo sempre fui bastante dedicado e gente boa ou pelo menos é o que me dizem e o que sempre tento ser. No entanto, na hora de me expor era um desastre... Era não, ainda sou, tanto no amor quanto no âmbito profissional... Apresentar um seminário na escola era um sufoco, ficava muito nervoso e não adiantava ensaiar e ensaiar e ensaiar, era sempre difícil... Suava frio, tremia inteiro até pra ler uma resposta pra sala, gaguejava um monte.

Percebendo todo esse meu desespero pela dificuldade de me relacionar com o público e que isso já começava a me atrapalhar nos estudos, minha mãe me forçou a entrar no teatro, pra tentar desinibir e relaxar. Eu andava uma pilha por causa da universidade e não queria fazer mais uma coisa pra encher meu saco! Além do que achava que esse negócio de teatro era coisa de viado, que preconceito besta... Já tinha feito algumas peças no ginásio, nada demais, só alguns papéis meio calados e um tanto introvertidos. O tempo passou e acabei me esquecendo de como era bom fazer parte daquilo... Não nego que ficou aquela vontade, lá no fundo, de voltar pro palco e enfrentar o público novamente. Até comentei isso algumas vezes durante a minha adolescência, mas nunca imaginei que teria coragem um dia.

Esses tais comentários só viraram munição nas mãos da minha mãe. Ela me venceu com meus próprios argumentos. Fiquei sem ter o que retrucar. Fui contrariado pra maldita aula de teatro. Pro meu desgosto, ela estava certa, a aula foi demais. As pessoas, os professores, os exercícios, o ambiente, não via a hora de voltar na próxima semana. Tudo era tão diferente do novo ao qual tentava me acostumar e que sabia não ser um lugar onde me sentia bem, não tão bem quanto ali. A universidade me torturava, o curso era perfeito, mas as companhias muito diferentes do que imaginei. Comecei a me decepcionar com as atitudes de muita gente e a me isolar. Os poucos amigos que mantive por lá, e ainda os mantenho, eram bastante caseiros ou tinham outra vida fora, com amigos que não conhecia. O teatro era muito mais como no colégio, quando tudo era festa e onde conhecia gente com quem sintonizasse.

Logo comecei a espalhar raízes, criar laços. Fiz novas amizades, por sorte com as pessoas certas, estava mesmo precisando conhecer um grupo que soubesse conversar sobre qualquer coisa. Não importava, se surgia um assunto sério todo mundo sabia colocar sua posição sem ofender ninguém, mas se o negócio era falar besteira... aí ninguém nos segurava, era tanta bobagem, a gente se superava. Então vieram as primeiras festas, o gosto pelo vinho, as rodinhas de violão, aquelas baladinhas eletrônicas e o entrosamento foi aumentando. Logo já conhecia grande parte das pessoas que fariam a diferença pra mim num futuro próximo, porém incerto. Tá certo, eu também não ia com a cara de todo mundo, mas como ninguém é obrigado a agradar a todos, sempre mantive aquela velha política de boa vizinhança. Fui ficando. E ficando mais a vontade. Passou aquele deslumbramento inicial e comecei então a tomar gosto pela interpretação em si.

Foram tantas barreiras quebradas. A primeira vez que tirei a camiseta na frente dos outros foi um sufoco, morria de vergonha, e pensar que hoje troco de roupa em qualquer lugar. Cueca acabou deixando de ser só uma peça de roupa escondida e virou mais um artigo de vaidade, umas cores bizarras, a propósito a de hoje é vermelha... ou será a laranja? Me deixa ver... É a laranja mesmo...

E quando fiquei a primeira vez com uma menina da companhia... Não sabia como me portar, eu estava afim e sabia que ela também queria, mas nunca tinha ficado com ninguém com quem tivesse que encarar no outro dia, fiquei sem saber o que fazer! Muito burro, fingi que nada tinha acontecido... Eu tava muito inseguro, só tinha pose de descolado. Sei lá se ela gostou ou não... Só sei que ficamos bastante tempo sem tocar no assunto. Nunca disse pra ela, mas é a que beija melhor. Bom... tirando um certo beijo meio que roubado dentro de um certo banheiro feminino, mas vamos deixar isso tudo quieto, é tudo muito complicado de se explicar e estas histórias sempre podem comprometer alguém ou gerar atritos.

Só queria dizer que aqui encontrei amigos de verdade, pessoas que aceitam meus defeitos, opiniões e qualidades, em quem posso confiar, com quem poderei contar sempre, gente sincera e presente, companheiros pro que der e vier! Aqui reencontrei a criança que deixei lá atrás. Aqui pude entender a importância de ouvir e ser ouvido. Muito obrigado. Valeu por me mostrarem que ser diferente não é errado e que esta é uma das únicas regras sem exceção nessa vida. “Somos todos iguais e tão desiguais”, pena que uns se achem “mais iguais que os outros”. Desculpa Gessinger por usar seus versos, não tenho culpa de vários deles exprimirem o meu jeito de encarar a vida.

Obrigado Nascô pelas soluções de última hora.

Obrigado Murphy pelos tombos que sempre me ensinaram mais que meus acertos.

Obrigado Docol por me amparar sempre que chamei o Hugo.

Obrigado Mãe por me ensinar a ser correto e o caminho da retidão.

Obrigado Deus, valeu as oportunidades e desculpa a falta de tempo pra você ultimamente.

É sempre muito bom estar rodeado por pessoas que se importam com a gente. Não vou citar nomes, cada um sabe a importância que tem na minha vida. Quanto a isso sempre fui bastante transparente, talvez seja até um grande defeito meu. Não consigo esconder como estou me sentindo e acabo me dando mal por isso ou então magoando alguém que amo.

Daqui pra frente, não sei como vai ser. Tem gente que significa muito pra mim que nunca vou voltar a ver na vida, já passei por isso antes, sei como é. Mas deixa a vida nos levar, nossos caminhos são tão imprevisíveis, vai saber o dia de amanhã. Podemos até nunca mais vir a nos encontrar de novo, mas já valeu a pena... Está todo mundo guardadinho aqui dentro do meu coração.

Muito obrigado por me aturar e permitir que participasse da vida de vocês, mas principalmente... valeu mesmo por participarem da minha... Amo vocês!

Isto fica feliz em ser útil. Escupa a catice. Fafafafá. SUUUUUPA CAXAAARRAAAA!!!

(Texto escrito em novembro de 2005 para os Amigos da Roze, grandes pessoas que estarão sempre no meu coração. Encontrei novos irmãos desde então, mas os homenageados aqui me fazem muita falta. Este texto, sem que eu soubesse, foi-me apresentado em forma de leitura dramática por Tatiana Calixto, Natalia Sório e Renata Sagaz no Sarau de Fim de Ano da Cia. Teatro Vanguarda, apresentado no Teatro Adolpho Mello em dezembro de 2005. Foi a escrita deste texto muita primeira motivação a escrever toda sorte de letras espalhadas por este blog e outros papéis.)

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