sábado, 12 de fevereiro de 2011

SEDE

Me lembro quando instalaram o bebedouro elétrico na escola. Me lembro bem. Sim, um bebedouro elétrico, desses de aço inox que gelam a água. Colocaram perto das torneiras no canto do pátio coberto. Fiquei estupefato que a escola pudesse bancar um daqueles. Eu e outros tantos. Mas eu era muito pequenininho para fazer qualquer avaliação econômica, tão pequenininho que nem alcançava o negocinho que sai água. Nem eu, nem outros tantos. E por isso construíram um patamar de concreto que serviria de degrau aos mais baixotes. Formavam-se filas para usá-lo. Ninguém mais dava bola pras torneiras ultrapassadas, ninguém mais queria tomar água na conchinha da mão. Coitadas, serviram um bom tempo, mas nesses tempos do politicamente-correto, quem vai deixar as crianças tomando água da torneira? “É só pra lavar a mão”, taxava a inspetora. Minha mãe ainda silabava. “Não pode encostar a boca no negocinho que sai água porque dá boqueira”. Deus meu, o que é boqueira? Um tipo de fungo? Até hoje tenho medo de pegar isso. Credo! Mas meu maior medo mesmo era pegar boqueira e ficarem me zoando, falando que peguei sapinho beijando por aí! Beijar? Mas nunca, morria de vergonha disso. Queria era brincar, só. Já me bastava. Pra que essas melecações de novela? Nem gostava de novela! Só da Tieta. Mas as outras não. Muito chatas. Isso tudo faz tempo. (suspiro). Acordei com vontade de beber água no bebedouro da escola.

(Texto publicado no site Cooperativa de Letras em 04/02/2011)

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